Durante séculos, os bens materiais da Igreja Católica foram alvo de especulações, lendas e sigilo. Mas em 2021, sob o comando do Papa Francisco — que faleceu no último dia 21 de abril, o Vaticano deu um passo inédito em direção à transparência ao divulgar, pela primeira vez na história, detalhes do seu portfólio imobiliário. A revelação surpreendeu não apenas fiéis e estudiosos, mas também chamou a atenção do setor imobiliário global.

Segundo dados da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA), órgão responsável por gerir os bens da Santa Sé, o Vaticano possuía naquele ano mais de 5.100 imóveis ao redor do mundo. Destes, 4.051 estavam localizados na Itália, com concentração expressiva em Roma. Outros 1.120 imóveis compunham o portfólio internacional, incluindo propriedades em cidades de alto valor imobiliário como Paris, Londres e Genebra.

Um império em imóveis

Os bens revelados incluíam apartamentos, escritórios, imóveis comerciais e terrenos, além de prédios inteiros em zonas nobres da capital italiana. Uma parcela dos imóveis era ocupada por entidades religiosas, em regime de uso gratuito ou com aluguéis simbólicos. Ainda assim, cerca de 14% estavam alugados a valores de mercado, gerando receita considerável para os cofres da Igreja.

Outro dado relevante é que o portfólio exclui imóveis religiosos como igrejas, capelas e basílicas — considerados de uso espiritual e não comercial — e, portanto, não contabilizados no valor patrimonial.

O valor estimado desses ativos à época era de 883 milhões de euros, reforçando a Igreja como uma das maiores proprietárias institucionais de imóveis da Europa. A gestão direta dos bens é feita por dois órgãos distintos: a APSA, que cuida dos bens da Santa Sé em si, e o Instituto para as Obras de Religião (IOR), conhecido como o "Banco do Vaticano", que administra doações e investimentos.





Transparência como política institucional

A decisão de publicar os dados foi uma resposta direta às críticas históricas sobre a opacidade das finanças da Igreja e aos escândalos financeiros que mancharam parte da reputação da Cúria Romana nas últimas décadas. O Papa Francisco, que desde o início de seu pontificado adotou um tom austero e reformista, foi o grande articulador da medida.

O relatório divulgado em 2021 incluía também balanços financeiros auditados, detalhes sobre rendimentos dos imóveis e iniciativas para reestruturar a administração patrimonial da Igreja. O objetivo era claro: promover uma gestão mais ética, eficiente e transparente dos recursos da Santa Sé.

Um modelo sob observação global





A revelação teve repercussão internacional. Especialistas apontaram que, mais do que uma questão de fé, o gesto da Santa Sé representava uma mudança de paradigma na gestão patrimonial institucional. Para alguns, foi uma sinalização forte não só para os fiéis, mas para o mercado global. A transparência, nesse caso, também é importante e mostra clareza nas ações da igreja católica romana no mundo todo.

Além disso, o modelo de imóveis administrados por uma instituição global, muitos deles voltados à locação de longo prazo, inspirou comparações com fundos imobiliários e REITs (Real Estate Investment Trusts). Ainda que o Vaticano não atue com fins lucrativos, a estrutura e o potencial econômico de sua gestão patrimonial dialogam com o mercado de forma cada vez mais tangível.





Reflexos para o futuro

O falecimento de Francisco reacende o debate sobre a continuidade das reformas que ele implantou, muitas delas ainda em curso. O sucessor do pontífice terá entre seus desafios manter a agenda de transparência e modernização administrativa da Santa Sé, num contexto global onde instituições públicas e privadas são cada vez mais cobradas por clareza em suas operações.

Para o mercado imobiliário, a abertura dos dados do Vaticano permanece como um exemplo raro e valioso de como a gestão patrimonial pode e deve ser tratada com responsabilidade, ética e transparência, mesmo em instituições de natureza religiosa.